Denise Macedo é revisora e é do contra. Diz que revisar não é gramaticar,
não é acrítica e que, para ser revisor, não é preciso
ler até bula de remédio.
CM - O que é revisão de texto?
Há dois conceitos-chaves nessa pergunta: revisão e texto. Isso significa que a resposta depende de como esses dois conceitos são considerados. Revisão é a atenção à gramática e a todos os elementos da comunicação: contexto, imagens, gênero, intencionalidade, relevância, público-alvo, estilo. Texto é interação, é representação e modo de ação no mundo. Revisão é, então, mais complexa do que parece.
CM - Por que lidar com textos?
Porque texto é a materialização de um discurso, de uma identidade, de uma ideologia. Textos são reveladores. Gosto dessas revelações pela palavra, pela imagem, pela composição de uma página.
CM - Qual o maior desafio do revisor?
São vários, desde a compreensão do gênero que ele/a tem diante de si até a lida com o/a autor/a, passando pela remuneração pouco atraente e pelos prazos exíguos. Outro é lidar com o “dá uma olhadinha?” Isso não existe. O/a revisor/a é mais um linguista do que um gramático.
CM – Como ser revisor/a?
Formação em Letras é fundamental e em Linguística é bom. Ser leitor/a também, mas não de tudo, com dizem. Absolutamente nada acrescenta ler bula de remédio ou receita de bolo. O que acrescenta é selecionar a leitura: ler escritores consagrados, de estilos distintos; só os deuses. Eles têm modos particulares de dar movimento ao texto, de representar uma imagem, de criticar o mundo. Machado de Assis é o mestre do implícito; Buñel tem uma ironia fina; Cioran é poderoso e dramático na progressão de cada parágrafo; Beauvoir estrutura seus textos de modo fiel à rapidez do raciocínio, que ela demonstra nas entrevistas que dá; Darcy Ribeiro escreve com a mesma passionalidade com que criou e defendeu seus projetos; Rilke demonstra uma sensibilidade tão inigualável, que voltamos a crer na potencialidade de se ser humano nas relações com o outro, o que, contudo, raramente acontece; Bukowski é o cinismo e o anti-herói em pessoa. É com eles que se aprende, que se estabelece uma relação vigorosa com o prazer e com a competência da escrita. Não se permanece o mesmo depois de estabelecer contato com os grandes nomes. O resto é conhecer regras de gramática, de gênero e de normalização textual.
CM – Como é lidar com o texto alheio?
É lidar com o ego do outro. Todo texto tem muito do/a autor/a, que quer se proteger e ao próprio texto, que levou horas, dias, anos de sua vida. Não há autor difícil ou fácil por princípio. O que há é a necessidade do diálogo entre autor/a e revisor/a sempre que o texto pedir. Ambos devem desejar o diálogo.
CM – Qual texto menos gostou e qual texto mais gostou de revisar?
Gostar ou desgostar não acontece comigo. Reviso uma hermética tese de doutorado em Física com a mesma disposição com que reviso peças publicitárias coloridas. Sempre me vejo curiosa diante do modo como cada autor vai construindo o texto e resolvendo os desafios que a escrita impõe.
CM – Já pegou um texto tão confuso que não tenha conseguido revisar?
Sim. Uma vez, como o tempo era curtíssimo para esse bate-bola entre autor/a e revisor/a, tive de lançar mão da autoridade e cortar o que era incompreensível. Em outra, o escritor era tão flexível, tão ciente das próprias deficiências e tão confiante no meu trabalho, que acatou muitas de minhas recomendações e respondeu minhas dúvidas de bom grado. Foi mais uma parceria do que a contratação dos serviços de revisão.
CM – Como você cobra a revisão?
Depende muito da extensão do texto, do nível da escrita e do prazo para o trabalho. Textos curtos, bem-escritos e encaminhados com antecedência têm preço de lauda acessível. Essa variação no preço é justa porque há textos que tomam tempo devido ao número de páginas, ou à quantidade e ao nível das interferências que exigem do/a revisor/a. Outros chegam com um tempo tão mínimo, que o revisor deve ter dedicação exclusiva a ele, para não comprometer a qualidade. Exclusividade é cara em qualquer serviço, não é?
CM – Qual a maior dificuldade dos escritores, modo geral?
A pontuação. Sem dúvida, a vírgula derruba muita gente. Os anafóricos (esse, este, aquele) também permanecem um mistério.
CM – Que livro é essencial ao revisor?
Comunicação em Prosa Moderna, de Othon Moacyr Garcia; A Construção do Livro, de Emanuel Araújo; História do Cerco de Lisboa, de Saramago; Redação e Normalização Textual, de João Bosco Medeiros; Gramática Metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, e os demais livros de consulta: dicionário Aurélio, Vocabulário Ortográfico da Língua portuguesa (Volp), manuais de regência nominal e verbal, normas da ABNT.
CM – Um caso curioso de revisão
O do próprio Antônio Houaiss editando livros de Guimarães Rosa. Ele conta que o revisor perguntava ao grande escritor se um Z era assim mesmo (sim, Guimarães trocava S por Z e vice-versa), ou se um J ou um G deveriam permanecer. O consagrado Guimarães dava um sorrisinho e dizia: “Pode corrigir”.
Denise Macedo lida com textos desde sempre;
é graduada, mestre e doutoranda em áreas da linguagem;
trabalha para agências publicitárias, jornais,
escolas, autores independentes.
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